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Um estudante do 3º ano do Ensino Médio, que quer ser ator, escritor, pai... Que busca de todas as formas expressar o que pensa e sente. Raiva. Amor. Vou buscar falar de cada coisa um pouco, e principalmente, meu livro. Espero que gostem, e não esqueçam de comentar e criticar. '' Não sou grande coisa, e nunca terei tudo, à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. ''(Fernando Pessoa)

domingo, 25 de outubro de 2009

Promessa após a morte



A história a seguir é baseada em fatos reais.
Para não envolver as pessoas aos fatos foram trocados os nomes dos personagens.




3 de maio de 2008.



Victória estava fazendo 18 anos e aquela data não parecia que era a de seu aniversário. Todos na casa bebiam e conversavam animadamente, mas ela mantinha-se sentada em uma poltrona próxima à porta de entrada, onde recebia secamente os convidados; sem se preocupar com a indelicadeza com que os tratava.

Estava apreensiva porque seu melhor amigo, Raul, ainda não chegara. Duas horas desde o início da festa ela gastara caminhando de um lado pro outro da sala distribuindo falsos sorrisos e olhando insistentemente para o celular, à espera de receber uma ligação.
Aos poucos todos foram saindo cumprimentando a aniversariante, e desejando-a o melhor; ela mal respondia. Essa noite foi umas das mais longas de sua vida, porque era impossível crer que seu melhor amigo, com o qual passava os melhores – e os piores - momentos de sua vida, tinha deixado de vê-la nesse dia tão especial.
‘’Até os gatos têm amigos ’’, pensou ela com raiva, quando escutou um casal de gatos que miavam alegremente sobre o telhado de seu quarto. Ela finalmente dormiu, mas não foi um sono agradável; tinha pesadelos constantes com Raul, via-o distanciando-se dela em meio a um mar de buzinas e luzes, sem conseguir ver quem o roubava dela. Já eram 11 horas quando acordou escutando o celular chamando, em meio às fretas de sol que entravam pela janela. Levantou-se sorrateiramente e pegou o aparelho, e como em uma premonição adivinhou quem era: Raul.
- Olá Victória – cumprimentou ele tentando disfarçar o sentimento de culpa.
- Oi – respondeu secamente.
- Desculpa, eu não pude ir ao seu aniversário.
- Eu percebi – falou, achando que o momento não era o melhor para conversarem.
- Espero que você me perdoe, afinal eu te amo muito – confessou ele, achando que assim ela minimizaria sua raiva.
- Ah!
- Vou te visitar amanhã, ok?
- Ok.
- Deixa disso! Eu sei que você também me ama – falou ele, pretensioso arrependendo-se logo depois.
- Quem você pensa que é? – perguntou, em meio a bufadas de raiva.
- Mas é verdade, não é? Vai... Confessa.
Ela não sabia o que dizer. Raul já era muito presunçoso, se ela respondesse que sim ele ficaria mais ainda; ainda assim preferiu confessar:
- Pronto! Você venceu, eu amo – disse, corando do outro lado da conversa.
Raul riu baixinho demonstrando sua satisfação.
- Amanhã vou te ver e te dar um abração daqueles, prometo!
- Espero! E toma cuidado, não é pra vir na moto feito um louco – completou, sem acreditar muito nisso.
- Pode deixar – falou ele, deixando um beijo para ela.
Ela nem respondeu, afinal não sabia que essa era a última vez que se falariam.
Raul nunca foi muito responsável, e seus amigos muito menos. Eles eram daquele tipo que mãe nenhuma quer ver como companhia do filho; bebiam ao extremo; fumavam drogas pesadíssimas; e ainda costumavam roubar pequenos objetos como retrovisores de carros e celulares.
Era uma noite na qual estava acontecendo um evento de políticos: holofotes acesos, guardas à espreita e muita gente. Mesmo assim o grupo dos rapazes estava disposto a tirar proveito da situação – assim que chegaram se depararam logo com uma jovem, filha de um deputado, que desfilava com uma tiara talhada em ouro. Ficaram rondando as zonas mais afastadas da região esperando que algum distraído passasse por lá. Estavam ansiosos, a situação ali não era fácil: guardas caminhavam agitados de um lado a outro; fotógrafos guardavam as imagens do momento; e ninguém aparentava distrair-se o suficiente a dar oportunidade a eles.
Quando eles estavam dispostos a se retirar apareceu uma senhora: com seus 75 anos e sua aparência lívida seria muito fácil assaltá-la. Ela se aproximava cada vez mais devagar, a sandália de salto baixo ressoando na calçada. 50 metros. 40. 20. 10. 5...
Ela passou por eles e disse solenemente:
- Boa noite jovens! – falou, sem imaginar o que eles pretendiam com ela.
Todos a cercaram fazendo cara feia, mas ela não entendeu nada. Só quando Raul jogou-a num banco de estrume próximo ela compreendeu: estava sendo roubada. Teve certeza quando outro marginal pegou sua bolsa e saiu correndo na companhia dos outros.
- Socorro! Socorro! – gritou, desesperada procurando por um guarda, mas ninguém a escutou devido a grande distância. Só no dia seguinte alguém pôde ajudá-la a levantar-se: um braço havia quebrado; a dor intensa somando-se a decepção com os jovens da Nova Era.
Ainda no momento da fuga, Raul e sua turma iam à alta velocidade pela avenida principal buscando uma moto para roubar. Encontraram uma velha motocicleta alemã ao lado da praça da cidade. ‘’ Deve servir’’, pensaram eles. Como Raul era o chefe da gangue ele deveria ficar com o automóvel, pegou-a e levando a bolsa da pobre senhora marcou de se encontrar com os comparsas logo à frente.
Ainda enquanto pilotava, decidiu abrir a bolsa a fim de examinar seu conteúdo, decepcionou-se quando viu que só continha algumas hipotecas atrasadas; cheques antigos; e a certidão de óbito, pertence ao marido da velha. Eram esses os componentes que davam volume à bolsa. Furioso freou para esperar os amigos e mostrar-lhes o conteúdo inútil que carregava. Jogou-a pela janela do carro e todos viram o que ela continha; o que os deixou enfurecidos. Raul conversou por algum tempo com eles, mesmo com a considerável distância, só que esqueceu a velocidade com que se locomoviam. Quando olhou para frente já não dava mais tempo: havia batido em um poste.
Nenhum dos seus falsos amigos o socorreu, trataram logo de deixar o lugar do acidente; claro que não iam sacrificar sua liberdade por Raul, pois se fossem a um hospital a senhora poderia reconhecê-los. Só após algum tempo um grupo de pessoas acionou uma ambulância; que chegou muito tarde, ele já morrera.




A família. Os amigos. A namorada. Todos estavam no hospital: chorando e se abraçando inconsoláveis. Joana, a parceira de Raul, lembrou que Victória era sua melhor amiga; resolveu então telefoná-la, apesar de saber que esse não era o melhor meio para informar algo como o acontecido.
- Olá – choramingou Joana.
- O que aconteceu? – questionou Victória, já atordoada.
- É melhor você se preparar.
- Fala logo!
- O Raul morreeeeu! – disse Joana, enfatizando ainda mais a triste palavra.
(Risos). Victória achou que tudo era uma brincadeira, que era impossível o que ouvira; no dia anterior tinha conversado com ele; Raul se desculpara, por não ter estado no aniversário da amiga; e a fez uma promessa: visitá-la no dia seguinte. E seu abraço? Acabou acreditando no que escutou: estava sem seu melhor amigo.
Todos insistiam que ela fosse ao velório e ao enterro, mas ela não queria; achava que era melhor guardar na memória os momentos felizes que passara com ele; as confissões mútuas; as brigas bobas, que faziam com que ficassem semanas sem se ver. Ela nunca tinha ido a um cemitério, e não queria que a primeira vez fosse no enterro do seu melhor amigo; sabia que essa imagem ficaria guardada para sempre, e poderia sobrepor as felizes. Mas de tanto insistirem ela acabou cedendo, já não aguentava mais os comentários maliciosos que faziam: ‘’ Ela não sentia nada pelo amigo ‘’, ou ‘’ Que falsa! ‘’.
Chegando lá, ela foi logo para perto do caixão, queria que tudo fosse bem breve. Estranhou o cheiro que vinha dele; era um perfume bem forte, o que ele usava normalmente; sua mãe não deveria estar conformada. ‘’Passar perfume no filho morto? ‘’, pensou ela, exasperada.
Ao contrário do que se previa, Victória estava com raiva, ela não podia acreditar que a promessa que ele fizera realmente não seria cumprida; isso porque ele não tinha feito o que ela pedira: ir com calma.
- Por que você fez isso, rapaz? Eu te pedi. Você me prometeu! – saiu ela irritada para onde estavam seus amigos em comum, os que não participavam da gangue.
Ficou constrangida quando chegou lá, pois viu todos chorando e berrando; mas ela não conseguia fazer o mesmo, sua raiva não a deixava; o que não a impedia de sofrer, pois mesmo ela estando aparentemente normal, seu interior gritava, ela morria pouco a pouco.
- Você quer um copo d’água, Victória? – perguntou um amigo, pretendendo ser educado.
- Não, obrigado! – respondeu ela, secamente virando-se para o outro lado.
- Tem certeza? Você precisa se acalmar... – afirmou ele preocupado.
- Eu estou calma.
- Mas vai lhe fazer vem. Você precisa se acalmar! – repetiu ele irônico.
- Eu já dis-se que es-tou cal-ma! – falou pausadamente para que ele compreendesse. – Que m.! – gritou, de forma grosseira golpeando o ar.
- Viu como você precisa se acalmar? – disse, abafando um riso que não cabia na situação em que estavam.
Algumas pessoas que também se achavam ali riram, mas logo ficaram envergonhadas e se recomporam. Chegada a hora do sepultamento, todos derramaram um mar de lágrimas, menos Victória, que se mantinha contida um pouco mais distante. “Até o sétimo dia de falecimento a alma pode manter contato com os vivos ‘’, disse sua avó, que já não agüentava mais ver a neta andando triste pela casa; isso quando não estava trancada em seu quarto à mercê da solidão.



5 dias depois.



Menos abalada, ela foi tentar dormir para relaxar do dia entediante que teve. Como sempre, ficou rolando horas e horas até que a exaustão trouxesse o sono; um sono que sempre era marcado pelas imagens desagradáveis que presenciara no cemitério. Teve novamente aquele sonho, no qual Raul ia sendo levado por alguém, ou algo, e dessa vez pôde ver quem era: a Morte. A Senhora Morte. Aquela que nunca deixa hora marcada, mas um dia sempre aparece; devagarzinho pelo buraco da fechadura; ou bruscamente, levando quem quer que seja, do homem de posses ao seu empregado.
Ela nunca tinha sonhado algo agradável com ele. Mas dessa vez as imagens que se formavam não eram desagradáveis, Victória estava com uma amiga, ambas sentadas na porta do colégio. A escola ficava na esquina de uma rua, em que passavam a todo momento carros, motos e uma aglomeração de pessoas. Elas conversavam alto, gesticulando a todo momento, sentiam-se as únicas ali. Até que estranharam uma imagem pálida que se aproximava deles, era como se fosse um fantasma, pois tinha as bordas do corpo mais claras ainda. Victória sentiu um baque de esperança que se confirmou em um instante, era Raul.
Quando ele ficou ao lado delas, Victória simplesmente se virou para o outro; a raiva ainda impregnada no coração, não deixando que sua mente visualizasse a oportunidade que o mundo lhe dava. Ele a cutucava a todo momento, já que queria ser visto; não estava ali para brincadeiras, tinha um propósito.
- Fala comigo, Victória! – murmurou, encostando-se à parede, lágrimas vindo aos olhos.
- Por que você fez isso? Eu pedi pra você ir com calma, mas você nunca me ouviu, sempre fez o que achava certo. E agora desse jeito: morto. Se tivesse me obedecido... – disse, enfiando a cabeça entre os joelhos, achando-se egoísta, mas ao mesmo tempo abandonada, pois não tinha mais seu amigo.
- Me desculpa, eu também estou muito triste por ter morrido – falou, já aparecendo com as brincadeiras que irritavam Victória.
Ela, pelo contrário, começou a rir.
- Você veio aqui por quê? – disse, abafando um sorriso entre lágrimas.
- Já esqueceu? Acho que lhe fiz uma promessa, vim aqui para cumpri-la
Victória não agüentou, desabou a chorar. Tentava falar, mas não conseguia, seus gemidos não a deixavam; quando se acalmou um pouco falou em um ímpeto só:
- Quando eu te abraçar você vai desaparecer, não vai?
- Claro que sim! – disse, achando a resposta muito óbvia.
- E eu nunca mais vou te ver? – gritou, puxando-o pelo braço.
‘’Não’’, disse ele, que logo a puxou também para seus braços. Abraçou-a e nesse momento parecia que tudo havia parado; os automóveis que passavam pela rua tinham estagnado ao lado das calçadas; as pessoas tinham se dispersado pelo espaço. Foram poucos segundos, mas pareceu uma eternidade; esse era um sentimento, o qual ainda não tinha nome. Segundo os budistas, poucas pessoas passam por isso na vida: vivenciar algo, que no momento em que acontece tudo ao redor cessa.
Enquanto o abraçava sentia o cheiro que tanto gostava; aquele que usava normalmente; e que também, por insensatez, usara no sepultamento. Sem dizer uma palavra se separaram, Raul apenas deu um breve sorriso e saiu pela esquina da escola onde estavam. Victória agora acreditava em sua avó, os mortos realmente podem aparecer até o sétimo dia.
Na manhã seguinte acordou confusa, estava relaxada, até feliz. Abriu as janelas, viu o sol entrando sereno através delas, junto com o canto dos pássaros. “Foi apenas um sonho ‘’, pensou a jovem. Mas não importava; seu amigo tinha pago a promessa que lhe fizera e ela agora não tinha mais raiva, sentia saudades; sentia falta daquele que um dia foi seu companheiro, seu melhor amigo.




25 de outubro de 2009
Weslley Fontenele

4 comentários:

Lilla AdhLyss disse...

Nossa muito linda a estoria, so nao chorei porque sou fria, mas é mtu linda

Thiago disse...

sempre evoluindo hein?
=D

do primeiro conto teu que eu li pra esse aqui, dá pra notar uma boa evolução!
muito bom mesmo, parabéns!

Anônimo disse...

Wesley tu és REALMENTE muito bom! Esse conto me emocionou mais que os outros. :)

Alessandra de Paula disse...

Mto bom, rapaz!!
Continue escrevendo e melhorando.